Amadora - Portugal

sexta-feira, 15 de junho de 2007

A ILHA

( É um texto um pouco longo, mas penso que vale a pena ler.... um beijo para todos
Fénix)


A ILHA
Como todos os dias, o Menino e o Adulto voltaram a passar pela escarpa. E como sempre Lá estava o Velho, com o olhar perdido no horizonte, fitando o mar.
Nesse dia, o Menino não se conteve e, largando a mão do Adulto, foi ter com o Velho, poisando-lhe delicadamente a mão no ombro. Perdido nos seus pensamentos, o Velho estremeceu e voltou-se vagarosamente, encarando aquelas duas pessoas que se atreviam a perturbar o seu silêncio. O seu semblante enrugado e triste demonstrava bem os sulcos profundos que a vida fizera no seu coração. Todavia, ao ver o Menino, o seu olhar iluminou-se e por momentos, parecia ter rejuvenescido vários anos.
- Velho, - perguntou ele- Porque estás aqui todos os dias olhando ao longe? Procuras algo que não vem?
O Velho voltou a ficar sério e de novo fitou o horizonte. O Menino apercebeu-se então que ele crispara a mão que mantinha prisioneira no seu interior uma rosa vermelha escura.
- Há muitos anos atrás, era eu uns anos mais velhos que tu, encontrei uma ilha. Linda... cheia de vegetação, de montes cobertos de verde, de cascatas transbordantes de água cristalina, que caíam mais abaixo formando um arco íris de cristais de água que se juntavam num lago de águas transparentes. Nessa ilha existiam árvores frondosas de frutos apetitosos e possuía uma praia de areias finas e douradas que eram docemente beijadas pelas ondas do mar que vinham de vez em quando sussurrar-lhe segredos de mundos distantes...
Durante muito tempo, permaneci naquela ilha encantada e era feliz. Lá encontrei as mais extraordinárias plantas, as mais belas flores que alguma vez já vi. Passava horas esquecidas a olhá-las, inebriado pelo seu perfume, perguntando a mim próprio como poderia a Natureza conceber algo tão belo.
Propus-me então trazer uma delas para o “Meu Mundo”, para a poder reproduzir... Se ela vingasse, seria rico... o mais feliz de todos os homens....poderia inclusive voltar à minha ilha e levar mais flores comigo...
Um dia amaldiçoado... arranquei-a e trouxe-a comigo....
Nesta altura da sua narrativa o Velho parou.... o rosto pendia-lhe para o peito, como se todo o sofrimento do mundo o obrigasse a curvar os ombros. Perdido nos seus pensamentos parecia ter-se esquecido do Menino e do Adulto que continuavam parados na sua frente, aguardando o fim da sua história.
- Velho... – murmurou então o Menino docemente - ... que aconteceu então à tua rosa? À tua ilha?
O Velho ergueu então a mão que mantivera crispada e abriu-a à frente do Menino. Do seu interior evolou-se então um perfume extraordinário de uma suavidade inebriante e a flor púrpura que se mantivera viçosa até àquele instante desfez-se, perante a expressão de incredulidade do Adulto e do Menino.
- Aqui tens tudo o que resta da minha flor.... da minha ilha... – e deixando cair as pétalas desfeitas em poeira entre os dedos no chão... voltou-se e desapareceu no horizonte, perante o olhar comovido do Menino e do Adulto.
***
Passaram-se os anos. O Menino fez-se Adulto e envelheceu e um dia voltou a passar por aquele mesmo lugar. Ao recordar a cena que vivera ali muitos anos atrás, olhou também o horizonte e inadvertidamente baixou o olhar para a sua mão vazia e, novamente lá longe para o horizonte. Recordou o Velho e a sua história, perguntando a si próprio se a história se passara mesmo ou não passara de um sonho existindo apenas na sua imaginação.
“ Aquele Velho ,- pensou - era o Tempo. A ilha que ele dizia ter encontrado não era mais do que a Vida, com todas as coisas boas que ela tem para nos oferecer, e que nós temos o dever de aceitar. As rosas de raro perfume, simbolizavam tudo aquilo que nos pode acontecer de bom. Mas... como quase todos os humanos , o Tempo cometera um erro e apanhara uma flor que não devia... e no fim... restara-lhe apenas a rosa púrpura que se desfizera... tal como a sua vida... Ele não aproveitara a sua ilha e todas as suas maravilhas... e no fim... apenas a solidão e o vazio ficaram com ele...”
Afinal o Menino aprendera alguma coisa com o Tempo. Restava passá-la em frente.... só assim fazia sentido a sua Vida....
Subitamente sentiu alguma coisa poisada no seu ombro; voltou-se: era a mão de um Menino e um Adulto. Olhou de novo para as suas mãos fechadas e abriu-a: no seu interior... muito pequenina encontrava-se uma pequena semente....
FIM
MAR IA CELIA SILVA
21.09.2003

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